sábado, 2 de outubro de 2010

#30 letter to your reflection in the mirror

        Olho-te e nem sempre te reconheço. Há dias em que gosto do que vejo – em que me transmites confiança e vaidade e fazes-me pensar, quase acreditar, que te amo. Outros dias há que não sei se és mesmo tu que lá estás, ou uma imagem à minha semelhança que invento para enganar o espaço e o tempo. Nesses dias assemelhas-te a uma imagem esbatida num espelho embaciado, depois de um banho quente que me enrugou a pele e a alma.
        Não sei se é mesmo como dizem, e se desse lado do espelho o mundo é mais belo e mais farto de vida. Se assim for, só te peço que me estendas a mão, num desses dias em que te olho e não te reconheço, e que me mostres o amor-próprio. Depois podes voltar a empurrar-me para este lado (que é afinal o único e mais real que consigo alcançar), que eu deixo.
        E na derradeira vez que te contemplar, nesse exacto momento que precede o do espelho se partir para sempre, espero poder olhar-te e ver-me, ver-te enquanto me olho. Até lá, só desejo que a cada vez que te observar ame um pouco mais a imagem que se me afigura transfigurada diante dos meus olhos, pois será sinal que não paralisaste no tempo e estás a construir-me dentro de ti, aos poucos, a cada dia que passa.

Sem comentários:

Enviar um comentário